sábado, 31 de maio de 2008

Entre Muros

Ela era mais linda do que ele poderia sonhar, mas a reputação não acompanhava tamanha beleza.

Christiane era como o livro: drogada e prostituída. Pelo menos era assim que seus colegas de escola a definia.

Fernando sabia que nem tudo era verdade - ou nada disso era verdade, mas estava com medo que sua fama acabasse no fundo do poço e jamais pudesse recuperá-la novamente.

Ele, um rapaz alto e amigo de todos no colégio, não iria querer perder tudo que conquistou em toda sua longa vida acadêmica, como se aos 15 anos de idade alguma coisa fosse velha ou longa o bastante para que não pudesse ser recuperada no momento seguinte antes do soar da próxima aula.

Mas mesmo assim ele temeu, já que a experiência necessária só teria ganho alguns anos depois, na faculdade.

Então lá, sozinhos no pátio do colégio, na eminência do beijo, ele deu para trás. Recusou o que certamente anos depois acreditara ter sido o momento mais fantástico da sua vida. A menina de seus sonhos sentada ao seu lado, de olhos fechados e de lábios macios e rosados pronta para tocar os seus e... Ele negou.

Enquanto o rosto amargurado e os olhos questionadores, que procuravam em algum lugar o sentido de tudo aquilo, desfocavam-se, ele perseguia razões como um guepardo faminto persegue sua presa:

Ela ficou com três garotos no banheiro semana passada... Ela vive andando para cima e para baixo com aquela menina do 1º B, dizem que são amigas até demais... Aquele gordinho do 2º ano espalhou para todos que tinha usado e abusado dela quando estavam tendo aulas de violão com um professor particular... Não, não posso ficar com uma mulher assim. Isso seria meu fim. Ela não vale o risco.

Então desesperado ele correu de volta para a sala, assustado e olhando para todos os lados, como se procurasse alguma testemunha ocular pro crime que quase cometera. Não havia ninguém.

Passou o resto do dia tentando esquecer, e na hora da saída a viu andando e olhando pra ele com um olhar amargurado que logo em seguida foi cortado pelo muro que circundava o colégio.

Ele lembrou tudo, inclusive do dia seguinte quando a amiga chegou do nada e disse com raiva: - Ela gostava de você. Ela queria namorar você.

Saiu logo em seguida para que ninguém ouvisse o desabafo bobo da amiga mais que amiga.

Ao contar pros amigos, todos disseram que ele tinha feito o certo, que ela não era tão bonita assim.

Eu teria feito o mesmo! - disseram uníssono.

Não era verdade. Todos tentaram e mais que o triplo deles não conseguiram.

A verdadeira verdade surgia prova após prova. Semestre após semestre. Ano após ano.

Ela não ficara com três, nem com dois nem com ninguém no banheiro. Eles bem que queriam, mas o resto foi só sonho e fantasia de guri. O gordinho não era bonito nem pra própria mãe, quanto mais pra Christiane. E a amiga? Bem, era só amiga. Só descobriu isso quando um verdadeiro amigo ele teve, mas já era tarde.

O tempo havia passado e lá estava ele, parado de frente à lanchonete vendo-a passar, muito mais linda e perfeita do que era há 10 anos.

Enquanto caminhava e falava ao telefone, com a mesma boca macia e rosada, ela de repente se virou e calou. Também o reconhecera. E pelo olhar triste que já havia visto uma vez, ela também lembrou aquele dia no colégio.

Com a mesma classe que sempre tivera, desviou o olhar e continuou a conversa, e assim foi desaparecendo novamente por detrás de um muro. Nunca mais a viu. Havia perdido a chance de ter tentado.

terça-feira, 27 de maio de 2008

(Di) Ferir



Havia passado tanto tempo que estavam juntos que Roberto sentiu que isso trouxera consigo a indiferença na forma da nova Valeska.
Pensou durante dias se o que iria fazer era realmente o certo, então tomou a coragem que só os aflitos têm.
Com a mão trêmula e um sorriso nervoso no rosto foi lá e disse um "não dá mais".
Não que fosse isso o que realmente queria.
Não, não era isso, não.
Sabia muito bem que de verdade sempre a amara.
A situação era desprezo. A cara carrancuda na sua frente, sempre com um desdém, escancarado como a admiração que já tinha visto neste mesmo rosto.
E isso Roberto não agüentava.
Onde estava a cumplicidade? Para onde foi o amor?
Parecia que nunca havia querido.
Como se não se conhecessem.
Como se houvesse esquecido.
Se desfez ao sair. Com lágrimas nos olhos.
Se pôs sentado.
Tentou procurar a última Valeska amorosa.
Não achou.
Se levantou e ligou o carro.
Daquela Valeska não mais seria. Roberto estava sufocado.
Agora diferiram.

* baseado em "(des)Iguais" de Ana Maria mulheresquesaodevenus.blogspot.com