segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Soneto dos Amores

Assim o era sensível,
Ninguém pudera odiá-lo.
Da viagem, lugar aprazível;
Do sino, somente o badalo.

Majestoso e do mais alto nível,
Ao seu lado eu sempre me calo.
Da cura, a poção infalível;
Do santo, o sagrado halo.

Paralelo a tudo que há
Poderei ser a maior aflição.
Da montanha, sou mar;
Da estrela, a escuridão.
Do aqui, o acolá;
Do poeta, o coração.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A Vergonha de Maquiavel

Terrível era não saber de onde ele conseguiu ser tão passivo com a vida.

Nada que ele fazia tinha a força de quem deseja, de quem sofre por algo e que fará de tudo pra conseguir. Nada no mundo o faria parar, se por algum momento ele pensasse em mover-se. Mas estava ali, como sempre o estivera, imóvel, sonhando com o que ele poderia ser.
Sonhar é o primeiro passo pra conseguir o objetivo. Triste de quem não sonha! Mais triste é quem só sonha.

Sonhar com o cargo que nunca terá, com a mulher que nunca beijará, com o carro que nunca guiará, com o filho que nunca brincará, e assim todos os Futuros do Presente não passam do Futuro do Pretérito. A vergonha de Maquiavel.

Não há caminho a trilhar. O que há é um enorme entrave que só a infância pode justificar, se é que sua infância sem pecados ou pecadores justifica algo. Talvez por nunca ter ousado ser criança em toda plenitude seja um motivo. Talvez isso seja a razão para o qual não se é homem em toda plenitude hoje.

Por não encontrar um meio, viver será sempre um fim.

sábado, 13 de dezembro de 2008

"Minha Pretinha"

Por mais que pudesse e por mais que quisesse, Sérgio nunca conseguiu negar sua paixão por, como ele mesmo diz, sua "jovem pretinha". Ele tinha 27 anos e já era um homem mais do que formado. Bem sucedido na profissão, bem amado na cama. Teve muitas namoradas, mas só um amor. Ela. A sua jovem pretinha.

Quando digo jovem, realmente não estou brincando. Era simplesmente 15 anos mais nova que ele.

Todo dia ele dava um jeito de se encontrar com ela. De passar os lábios naquela boca. De se perder naquela boca. Para ele não importava hora ou local. Se era de dia ou à noite. Se fosse preciso ele pagava pra saciar o seu prazer. E ela só tinha 12 anos.

Mas algo o consumia por dentro e por fora. Ele sabia que não poderia continuar aquela união, e isso o deixava doente. Mas quando ele se deixava ir pelo desejo, doente também ficava.

Parentes e amigos não sabiam o que falar, não sabiam o que fazer. Não sabiam se seria pior pra ele essa relação ou não tê-la mais. De toda forma seu coração estava se partindo.

Ela era seu vício e sua virtude. Seu remédio e seu veneno. Ele estava morrendo por ela e ela morria por ele.

Apesar de jovem, ela tinha um temperamento forte e um cheiro gostoso que o deixava embriagado de prazer. Mesmo ela estando acabada depois de cada encontro, aparecia inteira de si, ao contrário dele. Ela é forte, apesar da pouca idade.

Ontem tiveram novo encontro a sós. Ele voltou para casa e a largou no meio da rua completamente vazia por dentro. Era assim a relação entre Sérgio e sua jovem pretinha. Era esse o fim de mais uma garrafa de Black Label.

sábado, 25 de outubro de 2008

Soneto à Marília

Não me encanta mais nada neste mundo,
Não mais me interessa o admirar;
Desde o dia que enxerguei o teu olhar,
Todo outro me parece um pouco imundo.

Retrocedo, desde o teu verde mais profundo;
Não há resposta que se possa encontrar,
Nem me importa tanto outro, se eu achar,
Pois o meu não seria mais jucundo.

Não estou triste, por mais que possa parecer,
Só não vejo algo que poderia ser mais forte.
Nem mesmo o dia que teme em alvorecer,
Poderá me trazer, de novo, a imensa sorte.
A sublime graça que tive ao te ver,
Não há quem arranque, nem sequer a morte.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Hein? Canto?

Como pôde o encanto
Acabar-se desse jeito?
Se até hoje ainda canto
A canção dentro do meu peito.

Pr'o meu salgado pranto,
A irrigar a face triste,
Vagar de canto em canto,
Se algum ainda existe.

Sendo ele somente um santo
Tentando fugir como suspeito
Que tu um dia viste
E disseste: imperfeito!

Viver seguindo em frente,
Mas mirando a sombra do passado,
Através de um retrovisor descrente
Que hoje em dia é estilhaçado

E faz criar em tua mente
Uma ilusão ou coisa assim
Que no futuro a gente sente
Perfurar como um faim.

É um caso complicado
Esse amor-morto, indigente
Que foi nascido já fadado
A consumir a'lma da gente.

Então como tu podes falar
Que acabou o meu encanto?
Se apenas sabes apreciar
Aqueles que estão defuntando.

Porque assim posso pensar
Que ainda não morri
E tu estás a admirar
O que poderia ser de ti

Num belo dia, quem sabe quando,
Um novo homem te fisgar
E o meu som for minguando
Até eu parar de cantar!

terça-feira, 1 de julho de 2008

Voando

Era só mais um dia chuvoso, muito normal naquela época do ano, mas para Felipe havia mais tristeza do que o frio e a chuva normalmente traziam.

Fazia exatos um ano que acabara o casamento. Lógico que não por sua vontade própria. Mas como ele poderia prender com uma assinatura no papel alguém que tinha a mente fora do seu coração?

Ele a deixou livre, como sempre fizera, e a única lembrança física dos dez curtos anos juntos foi a aliança em seu dedo. Nada mais foi deixado.

Não havia mais discos, não havia mais filmes, não havia mais Thor, o pastor-alemão que sempre fazia companhia nas corridas matinais e nas horas solitárias que passava até a chegada dela.

Ela não gostava dos discos, eram rock 'n roll demais; dormia nos filmes, dramático demais; e o cachorro babava demais, era grande demais e latia demais. Tudo era demais. Mas foi esperar demais vê-la deixar o que não gostava para trás, somente Felipe o foi.

Não se sabia, nem seus amigos mais próximos, o motivo de tanta raiva, tanta rancor, a ponto de deixar Felipe apenas com o anel de casamento.

Ele poderia explicar mil e um motivos que achava sobre o assunto, nenhum deles válidos para qualquer pessoa com amor próprio. Mas o amor próprio de Felipe foi embora com os discos, filmes e o cachorro. Ao invés de seguir em frente, ele ficou parado. Viu seus 36 anos de vida simplesmente desmoronar naquele ano. As únicas coisas que cresciam na vida dele eram as cinzas de cigarro no cinzeiro, suas olheiras e barba. Mais nada!

Então num ímpeto levantou-se. Aquilo não poderia mais continuar, já havia passado tempo demais. Já se sabia que ela estava muito bem, seis meses atrás começara um namoro. Jorge, seu amigo de infância, sempre fora apaixonado por ela, nunca negara, e hoje estão juntos. Felizes.

Arrancou a aliança do dedo. Fez barba, limpou o cinzeiro, a cara e corpo inteiro. Um banho que lhe arrancara o medo. Sentou à mesa e escreveu algo no laptop. Lenvantou-se e correu em direção à janela... Pulou!

Quinze andares depois lá estava ele, morto no chão ensagüentado. O porteiro junto ao seu corpo via escorrer pelo olhos sangue e gotas d'água. Não souberam dizer se era chuva ou lágrimas.

A polícia invadiu sua casa e não encontrou nada exceto o laptop ligado com algo escrito na tela.

"Voei em busca de um conforto que jamais tive em vida. Talvez minha carne no chão duro de cimento amoleça o coração de pedra de quem nem ao menos me deixou o amigo."

Jorge se achou culpado e nunca mais viu Marcela em toda sua vida.
Marcela envergonhada nunca tivera coragem de contar, mas sabia muito bem que era de Thor que ele falava.

sábado, 31 de maio de 2008

Entre Muros

Ela era mais linda do que ele poderia sonhar, mas a reputação não acompanhava tamanha beleza.

Christiane era como o livro: drogada e prostituída. Pelo menos era assim que seus colegas de escola a definia.

Fernando sabia que nem tudo era verdade - ou nada disso era verdade, mas estava com medo que sua fama acabasse no fundo do poço e jamais pudesse recuperá-la novamente.

Ele, um rapaz alto e amigo de todos no colégio, não iria querer perder tudo que conquistou em toda sua longa vida acadêmica, como se aos 15 anos de idade alguma coisa fosse velha ou longa o bastante para que não pudesse ser recuperada no momento seguinte antes do soar da próxima aula.

Mas mesmo assim ele temeu, já que a experiência necessária só teria ganho alguns anos depois, na faculdade.

Então lá, sozinhos no pátio do colégio, na eminência do beijo, ele deu para trás. Recusou o que certamente anos depois acreditara ter sido o momento mais fantástico da sua vida. A menina de seus sonhos sentada ao seu lado, de olhos fechados e de lábios macios e rosados pronta para tocar os seus e... Ele negou.

Enquanto o rosto amargurado e os olhos questionadores, que procuravam em algum lugar o sentido de tudo aquilo, desfocavam-se, ele perseguia razões como um guepardo faminto persegue sua presa:

Ela ficou com três garotos no banheiro semana passada... Ela vive andando para cima e para baixo com aquela menina do 1º B, dizem que são amigas até demais... Aquele gordinho do 2º ano espalhou para todos que tinha usado e abusado dela quando estavam tendo aulas de violão com um professor particular... Não, não posso ficar com uma mulher assim. Isso seria meu fim. Ela não vale o risco.

Então desesperado ele correu de volta para a sala, assustado e olhando para todos os lados, como se procurasse alguma testemunha ocular pro crime que quase cometera. Não havia ninguém.

Passou o resto do dia tentando esquecer, e na hora da saída a viu andando e olhando pra ele com um olhar amargurado que logo em seguida foi cortado pelo muro que circundava o colégio.

Ele lembrou tudo, inclusive do dia seguinte quando a amiga chegou do nada e disse com raiva: - Ela gostava de você. Ela queria namorar você.

Saiu logo em seguida para que ninguém ouvisse o desabafo bobo da amiga mais que amiga.

Ao contar pros amigos, todos disseram que ele tinha feito o certo, que ela não era tão bonita assim.

Eu teria feito o mesmo! - disseram uníssono.

Não era verdade. Todos tentaram e mais que o triplo deles não conseguiram.

A verdadeira verdade surgia prova após prova. Semestre após semestre. Ano após ano.

Ela não ficara com três, nem com dois nem com ninguém no banheiro. Eles bem que queriam, mas o resto foi só sonho e fantasia de guri. O gordinho não era bonito nem pra própria mãe, quanto mais pra Christiane. E a amiga? Bem, era só amiga. Só descobriu isso quando um verdadeiro amigo ele teve, mas já era tarde.

O tempo havia passado e lá estava ele, parado de frente à lanchonete vendo-a passar, muito mais linda e perfeita do que era há 10 anos.

Enquanto caminhava e falava ao telefone, com a mesma boca macia e rosada, ela de repente se virou e calou. Também o reconhecera. E pelo olhar triste que já havia visto uma vez, ela também lembrou aquele dia no colégio.

Com a mesma classe que sempre tivera, desviou o olhar e continuou a conversa, e assim foi desaparecendo novamente por detrás de um muro. Nunca mais a viu. Havia perdido a chance de ter tentado.

terça-feira, 27 de maio de 2008

(Di) Ferir



Havia passado tanto tempo que estavam juntos que Roberto sentiu que isso trouxera consigo a indiferença na forma da nova Valeska.
Pensou durante dias se o que iria fazer era realmente o certo, então tomou a coragem que só os aflitos têm.
Com a mão trêmula e um sorriso nervoso no rosto foi lá e disse um "não dá mais".
Não que fosse isso o que realmente queria.
Não, não era isso, não.
Sabia muito bem que de verdade sempre a amara.
A situação era desprezo. A cara carrancuda na sua frente, sempre com um desdém, escancarado como a admiração que já tinha visto neste mesmo rosto.
E isso Roberto não agüentava.
Onde estava a cumplicidade? Para onde foi o amor?
Parecia que nunca havia querido.
Como se não se conhecessem.
Como se houvesse esquecido.
Se desfez ao sair. Com lágrimas nos olhos.
Se pôs sentado.
Tentou procurar a última Valeska amorosa.
Não achou.
Se levantou e ligou o carro.
Daquela Valeska não mais seria. Roberto estava sufocado.
Agora diferiram.

* baseado em "(des)Iguais" de Ana Maria mulheresquesaodevenus.blogspot.com