domingo, 5 de junho de 2011

Não É Nada Disso Que Você Está Pensando

- Não é nada disso que você está pensando!

...o tempo pára. Meu coração pára. Mas a cara de indignação dela está apenas começando.

Foi tudo sem querer. Não sabia o que dizer e assim o maior clichê acaba de me escapar: "não é nada disso que você está pensando". Com certeza não era isso o que eu teria que pensar, muito menos dizer. Acabei de dar a dica do que realmente aconteceu.

Eu e uma taça de vinho. Ela e uma bolsa no chão. A outra e sua cara de confusão.

Teria algum motivo suficientemente bom para eu trair minha esposa na nossa casa, na nossa sala, com o nosso sistema de som novinho? Não! Não há um único bom motivo, foi apenas pela velha e nada boa comodidade.

Eu poderia ter escolhido um motel legal, com uma decoração aconchegante, uma hidromassagem que falta em nossa casa, mas não, preferi mostrar nosso novo aparelho Dolby Surround 7.1 e sua incrível capacidade de melhorar o "imelhorável".

Maldita frase. Maldito eu. E maldito Sinatra ecoando em 7.1.

Ela bem que poderia ter deixado pra lá. A Fulaninha que está cada vez mais confusa em nosso sofá poderia ser uma parente distante, uma cliente fechando um projeto, uma vítima de assalto, a minha mãe que veio do passado, qualquer pessoa exceto a mulher que ficou me paquerando no bar o tempo todo. Agora já era. Quem mandou eu abrir a minha boca?

Já ouvi dizer que o ruim da traição não é a mentira que se conta e sim a burrice pela qual você se entrega. E definitivamente não existe frase mais burra que esta. Vamos abrir o jogo, nem o papo que a trouxe aqui pra casa foi uma jogada de gênio. Ela teria vindo com qualquer um, afinal: ela também está traindo o marido. Mas ao contrário do bonitão aqui, ela soube como fazer.

Meu tempo está acabando, sinto tudo voltando ao normal. O coração está voltando a bater, e a indignação dela está cada vez maior. Maldita frase...

- Seu cachorro! Me traindo com essa vagabunda na minha casa?

...pronto, já comecei perdendo a casa. Por que eu não fiquei calado?...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Soneto Navegante

Tu és minha alma;
Meu corpo, teu criado.
A mente suplica calma
A um coração apressado.

O desejo é refinado
Mas meu grito é dissonante.
Não quero ficar parado,
Nem posso ir adiante.

Nestas águas, sou errante
Sem porto para atracar.
Cante suave, voz afagante;
Guia-me através deste mar.
Sei que nada é tão distante
Para quem só quer amar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Soneto à Espera

Muito havia antes do fim,
Antes de chegar à curva final.
Sangue teu jorrado em mim;
Rubra-flor, vermelho carnal.

Fúlgido fio por demais cortante,
Dilacera a alma, flor de jasmim.
Urro meu morreria diante
Da beleza sagrada de um querubim.

Fino rosto, corado e pujante,
Capaz de me dar tamanha coragem,
Deixaste apenas a lembrança pulsante
Velada em segredo em tua doce imagem.
Guardei a ti, memória errante,
Para que voltes em eterna ancoragem.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Amores & Paixões

Os amores vêm, os amores vão. É assim hoje, foi assim ontem e continuará sendo assim sempre. Não acredito que uma pessoa ame duas pessoas ao mesmo tempo. Paixões aos milhares; amor, só um!

Alguns dizem que as pessoas amam apenas uma pessoa em toda sua vida. Outros dizem que o amor precisa ser renovado, um diferente em cada novo momento. Creio que as pessoas têm um, dois, alguns ou vários ao longo da vida, mas amar duas pessoas ao mesmo tempo, nunca.

Amor não é paixão, que é fugaz e ocorre para todos, mesmo entre aqueles que já possuem um amor. Paixão é um desejo incontrolável que passa tão rápido quanto a velocidade com que chegam, mas que mesmo assim podem causar danos irreparáveis. Danificam até mesmo o amor.

Esse, por sua vez, demora a passar, mesmo sendo ele à primeira vista. Ao contrário da paixão, que é velocista e atlético, o amor é como uma vida: nasce, cresce e morre. E durante este percurso ele sofre, ri, progride, estagna-se, perde a esperança, ganha mais um folêgo e assim ocorre até o suspiro final.

Apesar de ser e estar em alguém, ela não necessariamente acaba com a pessoa. Elas deveriam considerá-las como algo que tem vida própria, que pode morrer e que não necessariamente nos leva junto.

O problema todo é que não queremos acreditar nisso, mesmo todos nós tendo visto, ao menos uma vez, o amor do outro por nós morrer. Queremos mantê-lo de todas as formas, do jeito que pudermos. Deveríamos sofrer a perda, viver a fossa, mas nunca nos pôr no lugar dela. Deveríamos pensar que ela é um ente querido que se vai, e que sempre vai ficar na memória, bem guardada, para que possamos nos lembrar e mais nada. Mas preferimos fazer dela nós mesmos.

A paixão nos arrasa quando chega, mas nem tanto assim quando se vai. Ela nos serve como tônico para a auto-estima. É como comprar um carro novo, um tênis que nos deixa legal, até percebermos que não é tanta coisa assim. Já o amor é completo.

Imprevisível. Incontrolável. Impreciso. Inerente. Inconfundível. Ele vem e se vai.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Soneto dos Amores

Assim o era sensível,
Ninguém pudera odiá-lo.
Da viagem, lugar aprazível;
Do sino, somente o badalo.

Majestoso e do mais alto nível,
Ao seu lado eu sempre me calo.
Da cura, a poção infalível;
Do santo, o sagrado halo.

Paralelo a tudo que há
Poderei ser a maior aflição.
Da montanha, sou mar;
Da estrela, a escuridão.
Do aqui, o acolá;
Do poeta, o coração.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A Vergonha de Maquiavel

Terrível era não saber de onde ele conseguiu ser tão passivo com a vida.

Nada que ele fazia tinha a força de quem deseja, de quem sofre por algo e que fará de tudo pra conseguir. Nada no mundo o faria parar, se por algum momento ele pensasse em mover-se. Mas estava ali, como sempre o estivera, imóvel, sonhando com o que ele poderia ser.
Sonhar é o primeiro passo pra conseguir o objetivo. Triste de quem não sonha! Mais triste é quem só sonha.

Sonhar com o cargo que nunca terá, com a mulher que nunca beijará, com o carro que nunca guiará, com o filho que nunca brincará, e assim todos os Futuros do Presente não passam do Futuro do Pretérito. A vergonha de Maquiavel.

Não há caminho a trilhar. O que há é um enorme entrave que só a infância pode justificar, se é que sua infância sem pecados ou pecadores justifica algo. Talvez por nunca ter ousado ser criança em toda plenitude seja um motivo. Talvez isso seja a razão para o qual não se é homem em toda plenitude hoje.

Por não encontrar um meio, viver será sempre um fim.

sábado, 13 de dezembro de 2008

"Minha Pretinha"

Por mais que pudesse e por mais que quisesse, Sérgio nunca conseguiu negar sua paixão por, como ele mesmo diz, sua "jovem pretinha". Ele tinha 27 anos e já era um homem mais do que formado. Bem sucedido na profissão, bem amado na cama. Teve muitas namoradas, mas só um amor. Ela. A sua jovem pretinha.

Quando digo jovem, realmente não estou brincando. Era simplesmente 15 anos mais nova que ele.

Todo dia ele dava um jeito de se encontrar com ela. De passar os lábios naquela boca. De se perder naquela boca. Para ele não importava hora ou local. Se era de dia ou à noite. Se fosse preciso ele pagava pra saciar o seu prazer. E ela só tinha 12 anos.

Mas algo o consumia por dentro e por fora. Ele sabia que não poderia continuar aquela união, e isso o deixava doente. Mas quando ele se deixava ir pelo desejo, doente também ficava.

Parentes e amigos não sabiam o que falar, não sabiam o que fazer. Não sabiam se seria pior pra ele essa relação ou não tê-la mais. De toda forma seu coração estava se partindo.

Ela era seu vício e sua virtude. Seu remédio e seu veneno. Ele estava morrendo por ela e ela morria por ele.

Apesar de jovem, ela tinha um temperamento forte e um cheiro gostoso que o deixava embriagado de prazer. Mesmo ela estando acabada depois de cada encontro, aparecia inteira de si, ao contrário dele. Ela é forte, apesar da pouca idade.

Ontem tiveram novo encontro a sós. Ele voltou para casa e a largou no meio da rua completamente vazia por dentro. Era assim a relação entre Sérgio e sua jovem pretinha. Era esse o fim de mais uma garrafa de Black Label.

sábado, 25 de outubro de 2008

Soneto à Marília

Não me encanta mais nada neste mundo,
Não mais me interessa o admirar;
Desde o dia que enxerguei o teu olhar,
Todo outro me parece um pouco imundo.

Retrocedo, desde o teu verde mais profundo;
Não há resposta que se possa encontrar,
Nem me importa tanto outro, se eu achar,
Pois o meu não seria mais jucundo.

Não estou triste, por mais que possa parecer,
Só não vejo algo que poderia ser mais forte.
Nem mesmo o dia que teme em alvorecer,
Poderá me trazer, de novo, a imensa sorte.
A sublime graça que tive ao te ver,
Não há quem arranque, nem sequer a morte.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Hein? Canto?

Como pôde o encanto
Acabar-se desse jeito?
Se até hoje ainda canto
A canção dentro do meu peito.

Pr'o meu salgado pranto,
A irrigar a face triste,
Vagar de canto em canto,
Se algum ainda existe.

Sendo ele somente um santo
Tentando fugir como suspeito
Que tu um dia viste
E disseste: imperfeito!

Viver seguindo em frente,
Mas mirando a sombra do passado,
Através de um retrovisor descrente
Que hoje em dia é estilhaçado

E faz criar em tua mente
Uma ilusão ou coisa assim
Que no futuro a gente sente
Perfurar como um faim.

É um caso complicado
Esse amor-morto, indigente
Que foi nascido já fadado
A consumir a'lma da gente.

Então como tu podes falar
Que acabou o meu encanto?
Se apenas sabes apreciar
Aqueles que estão defuntando.

Porque assim posso pensar
Que ainda não morri
E tu estás a admirar
O que poderia ser de ti

Num belo dia, quem sabe quando,
Um novo homem te fisgar
E o meu som for minguando
Até eu parar de cantar!

terça-feira, 1 de julho de 2008

Voando

Era só mais um dia chuvoso, muito normal naquela época do ano, mas para Felipe havia mais tristeza do que o frio e a chuva normalmente traziam.

Fazia exatos um ano que acabara o casamento. Lógico que não por sua vontade própria. Mas como ele poderia prender com uma assinatura no papel alguém que tinha a mente fora do seu coração?

Ele a deixou livre, como sempre fizera, e a única lembrança física dos dez curtos anos juntos foi a aliança em seu dedo. Nada mais foi deixado.

Não havia mais discos, não havia mais filmes, não havia mais Thor, o pastor-alemão que sempre fazia companhia nas corridas matinais e nas horas solitárias que passava até a chegada dela.

Ela não gostava dos discos, eram rock 'n roll demais; dormia nos filmes, dramático demais; e o cachorro babava demais, era grande demais e latia demais. Tudo era demais. Mas foi esperar demais vê-la deixar o que não gostava para trás, somente Felipe o foi.

Não se sabia, nem seus amigos mais próximos, o motivo de tanta raiva, tanta rancor, a ponto de deixar Felipe apenas com o anel de casamento.

Ele poderia explicar mil e um motivos que achava sobre o assunto, nenhum deles válidos para qualquer pessoa com amor próprio. Mas o amor próprio de Felipe foi embora com os discos, filmes e o cachorro. Ao invés de seguir em frente, ele ficou parado. Viu seus 36 anos de vida simplesmente desmoronar naquele ano. As únicas coisas que cresciam na vida dele eram as cinzas de cigarro no cinzeiro, suas olheiras e barba. Mais nada!

Então num ímpeto levantou-se. Aquilo não poderia mais continuar, já havia passado tempo demais. Já se sabia que ela estava muito bem, seis meses atrás começara um namoro. Jorge, seu amigo de infância, sempre fora apaixonado por ela, nunca negara, e hoje estão juntos. Felizes.

Arrancou a aliança do dedo. Fez barba, limpou o cinzeiro, a cara e corpo inteiro. Um banho que lhe arrancara o medo. Sentou à mesa e escreveu algo no laptop. Lenvantou-se e correu em direção à janela... Pulou!

Quinze andares depois lá estava ele, morto no chão ensagüentado. O porteiro junto ao seu corpo via escorrer pelo olhos sangue e gotas d'água. Não souberam dizer se era chuva ou lágrimas.

A polícia invadiu sua casa e não encontrou nada exceto o laptop ligado com algo escrito na tela.

"Voei em busca de um conforto que jamais tive em vida. Talvez minha carne no chão duro de cimento amoleça o coração de pedra de quem nem ao menos me deixou o amigo."

Jorge se achou culpado e nunca mais viu Marcela em toda sua vida.
Marcela envergonhada nunca tivera coragem de contar, mas sabia muito bem que era de Thor que ele falava.